terça-feira, janeiro 31, 2006

"Janeiro fora... uma hora"



... já dizia o meu avó. Pessoa simples, do campo, mas dotado de uma infinita sabedoria e de um conjunto de valores, que em muito contribuíram para construir a pessoa em que me tornei. O meu avô Joaquim era um contador de histórias nato, e uma pessoa progressista para a sua época. (penso sinceramente que isso fez também parte da herança que me deixou).

Hoje pelas seis e vinte quando me dirigia para casa, olhei para o céu e vieram-me à lembrança as noites das férias de Natal, passadas em casa dos meus avós, sentada à lareira, no meio alqueire (que era meu e só meu), à luz do candeeiro a petróleo (lembro-me da luz eléctrica ter sido instalada só depois do 25 de Abril), a ouvir as histórias do meu avô ou o “romance” – nome dado à radionovela emitida sempre à mesma hora – através da telefonia a pilhas. Reclamava eu de como os dias eram curtos para a brincadeira e de como às 17:15 era noite e dizia o meu avô: - Deixa lá neta que Janeiro fora, uma hora!

Como era sábio o meu avô e como eram sábios todos os contadores de histórias da sua época. Bons observadores, os nossos antepassados observavam a natureza e transformavam o seu conhecimento empírico em histórias ou ditados que sábia e subtilmente transmitiam de pais para filhos, e de avós para netos.

Serviu esta lembrança também para que eu reflectisse sobre o que pensaria o meu avô (falecido em1991) desta coisas estranha da Internet, dos telemóveis e dos blogs… Decerto que ele nascido em 1907 acharia tudo isto muito estranho, mas ao longo da sua vida habituou-se a ir vendo o seu dia a dia invadido por novas tecnologias... ele foi o automóvel, o telefone, a rádio e depois a televisão! O meu avô aceitou e aderiu a todas estas inovações sem problemas, sempre aberto a coisas novas e diferentes. Não chegou a tirar a carta, talvez porque nunca sentiu necessidade disso, mas tenho a certeza que se tivesse necessitado dela, certamente o teria feito.

Às vezes ele vem-me à ideia quando vejo gente nova (e refiro-me a pessoas da minha idade - sim, eu considero-me ainda gente nova) “recusar” de forma veemente, aderir às novas tecnologias, não por falta de oportunidade, mas por ignorância e pasme-se, até preconceito.
Aflige-me que se diga que “por causa da Internet as pessoas estão menos comunicativas, que se isolam mais”. Não posso deixar de discordar mais com uma opinião. Eu tenho cá para mim que as pessoas comunicam muito mais desde que há a Net do que antes. Há pessoas (até familiares) que raramente se viam ou falavam, porque se encontram distantes (no espaço e no tempo – refiro-me a idades) e que graças à Internet podem dialogar e até visualizarem-se diariamente. A Internet é um meio favorável à troca de ideias, de opiniões, e até de sentimentos.

Tudo isto para terminar com outra reflexão. Alguns amigos colocaram-me a questão sobre o porquê de ter um blog, o que ganho eu com isso, como arranjo tempo etc.

A resposta é a seguinte, não ganho nada e ganho tudo. Na minha opinião não estou a fazer nada mais, nada menos do que fazia o meu avô. Conto histórias a quem as quiser partilhar comigo. Umas poderão ter interesse para uns, outras para outros e outras ainda, para ninguém. Mas são a forma que encontrei de partilhar, comunicar, dar opinião... apenas uso um computador em vez de estar sentada à lareira.

Comecei de novo a adquirir o gosto pela escrita (não tenho pretensões a ser escritora , mas gosto de escrever, antigamente fazia-o para mim num caderno... agora faço-o e partilho com os outros)
E quanto ao tempo... não precisamos todos de tempo para nós, para ler um bom livro, ver um bom filme?...Há sempre formas de encontrar tempo para fazer algo de que gostamos.

4 Comments:

At 9:30 da tarde, Blogger Susana Roxo said...

Sem palavras... O Avôs são aquela pessoa mágica que nos consegue marcar para a vida toda. Qualquer que seja o momento da nossa vida, por mais diferentes que sejam as situações lá estão as nossas lembranças dos nossos avôs. Compreendo muito bem isso. Eu adoro o meu avô. E um pilar importante da minha vida.
Obrigado pelo momento de emoção e pelas boas lembranças que me despertaste. Estava cheia de saudades do Sr. Luis Bajuca Capucho. Agora fiquei mais ainda.
Bjs
Susana

 
At 10:42 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Tenho um comentario a fazer, para si,como e muito extenso, nao sei como enviar, aguardo resposta.

Rui Silveira
( Ruby )

 
At 11:52 da tarde, Blogger Gambino said...

Nostálgica e progressista.
Gostei muito do teu post de hoje.
Realmente agora comunicamos mais, só que de outra forma.
Mas, acabo de chegar do cinema e estava lá um grupo de jovens, talvez com os seus 17 anos e preferiram ir ver um bom filme a ficar em casa na net.
Há tempo para tudo. Até eu arranjei tempo para ir dois dias seguidos ao cinema.
Beijinhos

 
At 5:30 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Não te conhecia esta veia de "escritora/contadora de histórias" - parabéns!Podes e deves continuar a "blogar".
Também eu tenho muitas e boas recordações das histórias dos meus avós e dos dias, nas férias de verão, que passavamos (eu, os meus irmão e primas)"na terra" a ouvir e depois a teatralizar essas histórias.
Gostei. Bjs Lena

 

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